Exemplo de experiência própria. Estava em
um shopping em Campinas, não lembro qual, vindo de viagem de Jacareí. Parei por
lá com meu pai e mãe. Por insistência minha, pois, gostaria de ver o jogo da
seleção brasileira. Quartas de final contra a França, quando a amarelinha foi
eliminada da Copa do Mundo de 2006. Por conta do nível elevado de emoção depois
da derrota, e álcool, é provável, uma gritaria começou. Como modo de reprovar a
atuação daquele grupo, ainda que não estivéssemos em um estádio. O clima foi
crescendo em tensão a partir dos músculos da face de cada segurança, que se
encrespavam, mais e mais. O despreparo dos funcionários do shopping resultou em
ações espalhafatosas no momento crucial. Homens de preto se direcionam para um
grupo mais exaltado. Um copo se quebra no caminho. Mais gritos, de outra
espécie, desta vez é nervosismo. Já seguro minha mãe pelo braço e caminhamos
para a saída. Ao deixarmos a praça de alimentação avistamos ao longe um foco de
briga.
O medo se estabelece com um grito de
mulher. Sua vinda ecoando por entre as galerias tem efeito de toque de recolher
e as portas de metal correm para o chão, diante o nervosismo e desespero dos
lojistas. Ao ver aquela cena qualquer pessoa com uma criança saiu em disparada.
Um shopping sem vitrines é um dia sem sol, se lhe tomam o sol sem aviso o que
resta é tempestade. Mães e pais mais descontrolados inflamavam os próprios
filhos com seu medo. Choros de criança preenchem o fundo. As lojas se fechando
e as vitrines são agora metal por onde roçam os corpos em disparada. Tudo vira
um grande túnel e a saída é labiríntica. Com as escadas desligadas o fluxo fica
desregulado e o vai e vem termina com a mobilidade.
Tropeções, escoriações, medo, por fim,
sendo inalado a cada sensatez ignorada. O cada um por si impera a esta hora.
Eu já me encontrava ao lado do meu pai, em
um canto, com minha mãe às nossas costas, protegida. A cada onda de pessoas em
minha direção me agarrava à pilastra e a continha, de modo a proteger a velha.
Saímos de lá no primeiro respiro em direção ao estacionamento. Nada era real,
só o medo e o despreparo. O que de fato ameaçador havia ali? Nada. A
normalidade fora quebrada e ninguém estava pronto para tanto. O comum e nada
mais é o que se espera de um shopping center. Não é o lugar de se quebrar
paradigmas, certo? Errado, pois justamente ali eles estão firmemente
estabelecidos.
Vamos lá, para a zona leste.
Duvido que a maioria dos jovens que esteve
lá, neste dia fatídico, estreou em um shopping. Todos conheciam e já tinham ido
outras vezes para um shopping center, é óbvio. Portanto o que chocou lojistas,
seguranças e outros visitantes foi o incomum: uma grande quantidade de molecada.
Eles também esperavam algo diferente do shopping aquele dia, queriam chocar, mostrar sua cara, fazer seu número. O temido
diferente! Humana(ou burra)mente o movimento de reação a este encontro foi
combater o diferente.
Pelo lado dos jovens, fica difícil não ser
o que a pressão social espera que você seja. Ainda mais quando a pressão se
materializa em postura militar. Ainda mais quando você não é o único ator da
calmaria ou ameaça pública. Uma vez provocados fatalmente alguns agiram de modo
combativo. Revista, intimidação e olhares desconfiados. Sentir-se ameaçado(r)
assusta. Animais enjaulados de lado a lado dentro do mesmo cercadinho. Suas
limitações não mais que humanas.
A pegada é ostentação. Os valores da nossa geração são esses. Bacana é ostentar, é ter, que por sua vez é poder - comprar. Como julgar o resultado desta criação? Somos nós, somos assim.
Daí a afirmar que a alta sociedade não
suporta ver o pobre frequentar o mesmo lugar que ela, ou que a culpa é da
madame de cachorrinho no colo, é um baita exagero. O shopping Itaquera sequer é
conhecido por este tipo de público. Como já disse e reafirmo: este local é
frequentado por aqueles mesmos jovens também. O problema foi resultado da
truculência diante o medo, em outra palavra: despreparo para com o fora do
comum.
Se em grupo o ser humano emburrece, em
multidão confinada não há espaço para decisões lógicas, não que precisemos nos
decapitar. Basta tirar o ódio do nosso caminho.